Um projeto vai usar amostras de saliva ou de sangue para apontar os genes culpados por um grupo de doenças hereditárias que afetam a retina e provocam perda de visão.
Apesar dessas doenças raras não terem tratamento, saber quais genes estão envolvidos pode ajudar a retardar sua progressão com medicamentos, mudanças de estilo de vida e até mesmo com dietas.
O projeto ID your IRD (algo como "identifique sua doença hereditária de retina" em inglês) foi apresentado no 42º Congresso da Sociedade de Retina e Vítreo, que acontece no Rio, e já deve começar a ser usado na prática a partir de segunda-feira (10).
O teste –um kit enviado por correio para o oftalmologista– foi desenvolvido pela empresa paulistana Mendelics, mas é a farmacêutica americana Spark Therapeutics que vai bancar os exames para pacientes das redes pública e privada. Por fora, o exame custaria cerca de R$ 4.000.
O Brasil é o segundo país a receber a iniciativa, que começou em outubro do ano passado nos EUA. A seguir o teste deve ir para Europa e Argentina, diz o diretor médico da Spark, Paulo Falabella.
A Spark Therapeutics realiza estudos para doenças genéticas oculares e tem interesse em conhecer os culpados genéticos das doenças hereditárias de retina para saber que tipo de terapia gênica pode ser particularmente interessante para a empresa desenvolver e oferecer.
O público-alvo são crianças e adultos jovens (até os 21 anos), com suspeita de doenças hereditárias de retina.
Oftalmologistas de todo o país poderão contatar um dos centros de referência –responsáveis pela seleção de pacientes– para saber se uma pessoa se encaixa nos critérios. Quem já perdeu boa parte da visão, por exemplo, pode ser excluído.
Os centros são o Instituto de Genética Ocular (São Paulo), Instituto de Olhos Carioca (Rio), Inret Clínica e Centro de Pesquisa (Belo Horizonte), e Vista Oftalmologia (Porto Alegre).
Não haverá custo para o paciente em nenhuma etapa do processo, fora a consulta com seu próprio médico e exames que podem ser pedidos.
PLANEJAMENTO
Mesmo sem cura no horizonte próximo, há vantagem em saber quais alterações genéticas uma pessoa com doença hereditária de retina tem, afirma a oftalmologista especialista Rosane Resende. Com base no teste, pode haver um planejamento melhor em vários aspectos da vida.
Uma mesma doença, como a retinose pigmentar, pode ter uma progressão rápida ou lenta de acordo com o repertório de alterações genéticas. Com isso em vista, uma pessoa pode saber se precisa aprender logo a ler em braile.
Outra conduta possível é tirar bebidas gaseificadas da dieta, o que agrava algumas variantes das doenças. Outra vantagem do conhecimento é usar medicamentos mais eficazes para cada genótipo.
No caso da retinose pigmentar, até o momento existem mais de cem alterações genéticas ligadas à doença. No mundo, são 2 milhões de pessoas afetadas por doenças hereditárias de retina.
Maria Júlia Araújo, presidente da Retina Brasil, associação de pacientes que é parceira da Spark na divulgação do novo teste, tem retinose pigmentar desde os 14 anos e não fazia ideia de como seria a evolução de seu quadro.
"Eu ia gostar, naquela época, de saber que minha doença não tinha uma forma tão agressiva. Tive de viver com esse fantasma a vida toda", diz ela, que hoje tem 60 anos.
Após o envio do material genético, médico e paciente devem receber o resultado em seis semanas. No exame, mais de 200 genes têm sua sequência de letras "lida" por um aparelho de sequenciamento.
Com o resultado, será possível até mesmo descobrir variantes genéticas incomuns em outras partes do mundo e que poderiam ser particularmente problemáticas no Brasil, segundo o presidente da Mendelics, David Schlesinger,
Rubens Belfort Jr. professor titular da Unifesp que não está envolvido com a iniciativa, pondera que mais pesquisas ainda precisam ser feitas antes que o teste se torne um resultado clínico importante para o paciente.
"Essa ainda não é a realidade para os pacientes mesmo nos países mais adiantados. Existe esperança de que isso dará algum resultado real, mas apenas daqui cinco a dez anos."
Fonte: (Gabriel Alves - Folha de S.Paulo)