Um estudo espanhol apresentado há três dias no Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas aponta que a covid longa, também conhecida como síndrome pós-covid, pode estar ligada ao efeito do novo coronavírus no nervo vago, um dos nervos multifuncionais mais importantes do corpo. Outro estudo, publicado em outubro do ano passado, revelou que mais da metade das pessoas que tiveram covid-19 teve sintomas da covid longa, em maior ou menor grau. A doença leva à permanência de sintomas, alguns deles incapacitantes, por meses após o fim da infecção pelo coronavírus. Mas, afinal, quais são os sintomas da covid longa, como tratá-la e quanto tempo depois o paciente pode voltar a se exercitar?
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Freitas, que é médico do Vasco da Gama e lida com sequelas da covid em atletas profissionais, afirma que já é de conhecimento científico que cerca de 31% a 69% dos pacientes com Covid-19 sofrem de sequelas agudas, o que caracteriza Covid longa. A doença é definida pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos como uma gama de problemas de saúde novos, recorrentes ou contínuos, que as pessoas podem experimentar quatro ou mais semanas após o início da infecção por SARS-CoV-2. Os sintomas, de acordo com o cardiologista, podem incluir:
– A covid longa foi associada à gravidade da doença aguda e é suspeita de estar relacionada a fatores autoimunes e fragmentos virais não resolvidos, embora a validação experimental através de estudos com grande número de pacientes ainda esteja pendente – completou Freitas.
Segundo Fabrício Braga, que desenvolve um estudo no Laboratório de Performance Humana a partir do atendimento para reabilitação de mais de 900 pacientes, o sintoma mais prevalente é o cansaço. Mesmo entre os pacientes atendidos que não têm comorbidades anteriores, cerca de 43% chegam com a capacidade de exercício reduzida: 61% por causa do descondicionamento físico, 25% em função de sequelas cardíacas, 10% por causa de sequelas pulmonares e 4% por um conjunto de duas ou três dessas causas. A falta de aptidão cardiorrespiratória faz com que até mesmo levantar um copo com água demande um esforço enorme. Ou seja, há milhões de pessoas cansadas no mundo, precisando ser reabilitadas.
E a ômicron?
Por definição, Fabricio afirma que ainda não é possível dizer se a ômicron tem o mesmo efeito de covid longa como a delta, por exemplo, por ser muito recente. Isso porque para ser considerada longa, são necessários no mínimo mais de 30 dias de sintoma, depois da fase aguda.
– Além disso, o ataque hacker no Brasil fez com que as autoridades perdessem acesso ao início do ômicron no país. Outro dado interessante é que em janeiro nós tivemos 1.480 na emergência da Casa de Saúde São José. Maior parte leve, mas até pela dificuldade de testes, as pessoas procuravam atendimento no hospital. E não temos ainda como mensurar a covid longa a partir disso. É para monitorar e ficar de olho nas novas pesquisas – reforça.
Se os sintomas de covid longa persistirem, o cardiologista Mateus Freitas Teixeira afirma que o exercício físico é o item número um da prescrição médica no tratamento. Isso porque o exercício auxilia no tratamento de várias sequelas, melhora a capacidade funcional e diminui mortalidade quando feito de forma rotineira. Claro que ajustes na alimentação e em medicação são fundamentais, dependendo de cada caso. Pacientes com sequelas cardíacas devem ser avaliados por um cardiologista; com sequelas pulmonares, por um pneumologista. Mas o exercício é o primeiro tratamento, seja com acompanhamento de fisioterapeutas ou profissionais de educação física, de acordo com a orientação médica.
– Não há dúvidas da importância dos exercícios. A forma e a intensidade sempre são discutidas individualmente. Recomendamos, a princípio, que se inicie de forma leve a moderada, respeite períodos de descanso mais longos, privilegie exercícios de grandes grupamentos e sempre faça exercícios de resistências associados a aeróbicos – pontua.
O retorno às atividades físicas vai depender da gravidade da doença. Em casos assintomáticos ou de sintomas leves, o retorno pode e deve ser imediato, mas gradual.
– Justamente porque é preciso respeitar o corpo. Se você teve covid leve, que é a maior parte dos casos da ômicron, volte a fazer exercício após o tempo recomendado de isolamento e retome as atividades de forma gradual. Lembrete importante: são 14 dias depois do primeiro sintoma. Agora, se pegou a forma mais grave, é necessário procurar um médico antes de voltar a fazer exercício – recomenda Braga.
Mateus Freitas lembra que a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) recomendam um passo a passo no retorno das atividades:
O tratamento para o cansaço é o exercício, reforça Fabrício Braga. Segundo o médico, embora a sensação seja de falta de ar e limitação cardíaca, a maior parte dos casos é por uma dificuldade que o músculo tem para utilizar o oxigênio que vai produzir energia.
– O exercício recupera a capacidade do músculo. Restaura a capacidade de vasodilatação. A intensidade tem que ser gradual. Se o paciente for fazer no modelo de reabilitação com acompanhamento médico, ai, nesse caso, ele pode até fazer de alta intensidade. Mas isso tem que ser prescrito – alerta o cardiologista.
Além de auxiliar na resposta de vários tratamentos medicamentosos, o exercício possibilita uma melhora da capacidade funcional. Mateus Freitas lembra que é através de treinamentos de resistência e aeróbios que geramos um estresse orgânico com respostas adaptativas boas e importantes que impactam diretamente na mortalidade e na qualidade de vida.
O exercício gera, entre outros benefícios:
Mesmo quem teve sintomas leves de covid precisa ficar atento à covid longa. Segundo os cardiologistas, os sintomas podem persistir no organismo do paciente. O número de casos é menor em comparação aos pacientes que possuem uma reposta mais exacerbada a infecção pelo novo coronavírus, ou seja, pessoas que tiveram quadros mais graves. Mas eles existem.
– Infelizmente, sintomas leves não descartam a possibilidade de covid longa. O paciente pode ter até miocardite, às vezes. Mas a probabilidade é menor – afirma Fabricio Braga.
Fontes:
Fabrício Braga é médico cardiologista e do esporte. Médico da Confederação Brasileira de Triathlon (CBTri) e diretor do Laboratório de Performance Humana da Casa de Saúde São José.
Mateus Freitas Teixeira é médico cardiologista e do esporte. Cardiologista do Vasco da Gama, é diretor da Sociedade de Medicina do Exercício e do Esporte do Rio de Janeiro e coordenador médico da Clínica Fit Center.