Um estudo recente da Universidade de Trento, na Itália, publicado há duas semanas, revelou que a evolução da dieta, especialmente por conta da introdução de alimentos industrializados, e dos hábitos de higiene nos países ocidentais está associada à diminuição da população de bactérias que formam a nossa microbiota intestinal. Essa redução, por sua vez, estaria relacionado a doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, problemas gastrointestinais, alergias e doenças autoimunes. Isso porque a microbiota normal do corpo humano é um complexo ecossistema que inclui bactérias benéficas e outras ruins para o nosso corpo, mas que convivem em um delicado equilíbrio, fundamental para a manutenção da nossa saúde. E não são poucas: cada ser humano tem cerca de 100 trilhões de bactérias, mais que o triplo das suas 30 milhões de células. Quando esse equilíbrio é ameaçado, começam os problemas. Que, segundo estudo publicado na revista científica nature em setembro, têm impacto no desenvolvimento até mesmo de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. Ou ainda em síndromes como o autismo, de acordo com estudos como o publicado em maio na revista Cell, desenvolvido por pesquisadores do California Institute of Technology (Caltech), de Pasadena, Estados Unidos. O que fazer então para manter essa microbiota em equilíbrio? Antes, vamos entender como ela funciona.
- A microbiota são as bactérias que nós, seres humanos, temos. São 100 trilhões, contra 30 trilhões de células. Somos mais bactéria do que nós mesmos - brinca o gastroenterologista Flavio Quilici, professor titular de cirurgia digestiva na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia, explicando o papel dessas bactérias no organismo. - Sem as bactérias, não sobreviveríamos uma semana. Elas são responsáveis pela produção de enzimas e hormônios sem os quais não haveria a digestão, por exemplo. Das 100 trilhões de bactérias que temos, 70 trilhões ficam no intestino. Nesse grupo, há as boas e as ruins. E elas são muito importantes para a manutenção da saúde e têm enorme papel ao abrir portas para doenças. O intestino é o órgão mais importante para a nossas imunidade, é nossa grande defesa. Pasteur já dizia que a saúde humana está ligada à saúde intestinal.
Quilici explica que quando foi feito o sequenciamento do genoma humano, também sequenciou-se o do microbioma, o que levou a um conhecimento até pouco tempo atrás inimaginável sobre essa interação. A esse equilíbrio e intercâmbio entre as bactérias e os seres humanos chamamos de simbiose. Quando ocorre o aumento das ruins ou a diminuição das boas, chegam as doenças, como diabetes, obesidade e úlcera causada pela bactéria H. Pylori.
- Não só isso. Depressão, ansiedade, autismo, Alzheimer e outras demências... Há estudos relacionando todas essas doenças a esse desequilíbrio. Ele seria uma das causas. É importante esclarecer que as bactérias intestinais interagem com o cérebro, e que 10% dos nossos neurônios se encontram no intestino, por isso ele é chamado de segundo cérebro. Por exemplo, 99% da serotonina, um neurotransmissor ligado ao bem-estar, são produzidas no intestino - ensina o gastro.
Interferem negativamente na microbiota
Condições que podem sofrer influência do desequilíbrio na microbiota
Obesidade;
Diabetes tipo 2;
A nossa microbiota intestinal é reflexo da nossa dieta. É o que explica o médico Dan Waitzberg, nutrólogo e professor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP. Se queremos uma microbiota saudável, devemos ter uma alimentação saudável e balanceada, com o bom e velho prato colorido e apostando na máxima que pede: "Descasque mais, desembale menos". Waitzberg avalia ainda que a moda dos probióticos, alimentos à base de microrganismos vivos, pode não ser tão benéfica quanto se pensa e que deveríamos investir mais no consumo de prebióticos, ou alimentos com fibras não digeríveis pelos seres humanos, como frutas, verduras, legumes e leguminosas.
- Probióticos não devem ser usados indiscriminadamente. Eles mesmos podem desenvolver um desequilíbrio na microbiota. Devem ser receitados de acordo com as necessidades de cada indivíduo, a partir de uma análise de sua saúde e de sua microbiota - afirma Waitzberg, que faz ainda ressalvas em relação ao kefir e à kombucha caseiros. - Eles podem estar contaminados com microrganismos ruins para o ser humano. Claro que eles têm propriedades, muitas ainda em estudo. Mas não podem ser tomados indiscriminadamente, e sim aplicados de forma criteriosa na medicina.
Já o consumo diário de alimentos ricos em prebióticos faz toda a diferença na saúde, segundo o médico nutrólogo.
- Os prebióticos têm várias funções. São substrato para a fermentação de microrganismos comensais ou simbióticos, ou seja, bactérias do bem. São ainda degradados em ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, que é um agente imunomodulador, que reduz estados inflamatórios do intestino - ensina ele, lembrando ainda que além dos probióticos e prebióticos, os psicobióticos, que atuam no cérebro, estão sendo amplamente estudados. - O estudo da microbiota vai revolucionar a medicina e a saúde nos próximos anos - acredita.
Mas o que seriam os prebióticos e onde são encontrados? São fibras como fos e inulina, não digeríveis pelos seres humanos. Nutricionista e colunista do EU Atleta, Cris Perroni explica onde elas podem ser encontradas.
- As fibras estão nas frutas, verduras, legumes, cereais integrais, farelos e leguminosas. O ideal é ingerir pelo menos cinco porções diárias de frutas, verduras e legumes e 40 ml água por kg peso por dia. Estudos realizados com prebióticos mostraram maior produção intestinal de ácidos graxos de cadeia curta, associados ao aumento da saciedade e à consequente redução da ingestão alimentar - afirma Cris, enumerando outros benefícios do consumo de fibras não solúveis. - O consumo adequado de fibras, de 25 a 30 gramas por dia, está associado à redução do colesterol sanguíneo, com aumento da excreção fecal de colesterol e ácidos biliares; a um melhor controle glicêmico, com redução da velocidade de absorção de carboidratos, aumento do bolo fecal, regularização do funcionamento intestinal, maior saciedade contribuindo para controle da ingestão alimentar, e menores níveis de proteína C reativa (marcador inflamatório).
Dicas para manter o equilíbrio da microbiota
Efeitos de uma microbiota saudável sobre o organismo