Dormir pouco, tarde e mal engorda. Isso já se sabe e é algo a que se deve ter atenção nesses tempos de quarentena em função da pandemia de coronavírus, quando as noções de tempo estão borradas e a rotina, alterada. Mas o contrário também é verdadeiro, constituindo um círculo vicioso que precisa ser quebrado: a obesidade atrapalha o sono. Foi o que concluíram pesquisadores da Universidade da Pensilvânia e da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, em estudo, publicado no jornal PLOS Biology. Nele, os pesquisadores analisam o metabolismo e explicam que liberar ou queimar reservas de energia durante o dia diminuiria a adiposidade e corrigiria transtornos do sono.
Os cientistas fizeram diversos testes com um verme microscópico, o Caenorhabditis elegans, já que este animal possui um sistema nervoso mais fácil de ser analisado. Mesmo que ele tenha uma quantidade inferior de neurônios do que humanos, os pesquisadores explicaram que a espécie é um ótimo modelo para estudo de sono. O estudo aponta que a desregulação do sono pode resultar em aumento do apetite e resistência à insulina, e sugere ainda que pessoas que cronicamente dormem menos de seis horas por noite provavelmente apresentam problemas de saúde como obesidade e diabetes. Além disso, a pesquisa demonstra que a fome afeta diretamente o sono, o que indica que ela é regulada, pelo menos em parte, pela disponibilidade de nutrientes do corpo.
Para estudar a associação entre metabolismo e sono, os pesquisadores americanos “desativaram” o neurônio que controla o sono das cobaias. Com esse neurônio desligado, os pesquisadores viram uma queda severa nos níveis de adenosina trifosfato (ATP) dos animais, que é a moeda energética do corpo. Assim, a pesquisa demonstrou que a liberação de estoques de gordura é um mecanismo pelo qual o sono é promovido, já que os animais que possuíam a capacidade de liberar gordura eram capazes de dormir. Para os pesquisadores, a explicação para que pessoas com obesidade possam apresentar problemas para dormir é porque pode haver um problema de sinalização entre os estoques de gordura e as células cerebrais que controlam o sono. Segundo a endocrinologista Maria Edna de Melo, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o apetite e o sono têm uma relação hormonal no nosso corpo.
- à medida que não dormimos e não desligamos o corpo, vários hormônios que deveriam deixar de ser produzidos continuam sendo produzidos no período da noite, como por exemplo a secreção de cortisol. Na regulação do cortisol, há uma substância que está diretamente relacionada com o controle da fome e uma vez que esse cortisol está sendo produzido no período da noite, faz com que a gente tenha uma busca maior por alimentos mais palatáveis - explica a endocrinologista.
Já a pesquisadora do Instituto do Sono e professora da faculdade de medicina do Hospital Albert Einstein Helena Hachul explica que a privação de sono também afeta os hormônios que controlam a nossa vontade de comer.
- Dois hormônios são importantes na regulação do apetite: a leptina e a grelina. A leptina reduz o apetite e a grelina estimula o apetite. Quando dormimos menos que seis horas, ocorre menor liberação de leptina e maior liberação de grelina. Com isso, o corpo sente mais necessidade de ingerir carboidratos. Nesse contexto, há maior chance de diabetes por diminuição da produção de insulina pelo pâncreas e aumento de cortisol - elucida Hachul.
Helena também explica que durante o sono ocorre perda de peso. Assim, quando dormimos de forma fragmentada, sem um sono adequado, o processo de emagrecimento é diretamente afetado.
As atividades físicas e as boas noites de sono tem uma relação de codependência. Ter uma vida ativa ajuda a garantir uma boa qualidade de sono e dormir bem afeta diretamente a disposição e eficiência dos exercícios.
- A atividade física é outro pilar da nossa saúde e se relaciona bem porque uma vez que feita, a atividade estabiliza a produção hormonal. Tem todo um controle do estresse envolvido em decorrência da prática de exercícios - esclarece a endocrinologista.
Maria Edna também comenta que é necessário adequar a rotina de treinos de forma a não afetar o horário de sono. A endocrinologista ressalta que a questão é muito particular, já que muitas pessoas conseguem se exercitar próximo do período de dormir e não tê seu sono afetado. O ideal é encontrar horários que se encaixem na rotina e permitam estabelecer uma frequência de atividades físicas e as horas necessárias de descanso.
- A qualidade do sono interfere na prática do exercício. Se o indivíduo não dorme bem, acorda mais cansado e sem energia. Se até pra levantar pode ser difícil, imagine para treinar. A energia que consumimos durante a noite inadequadamente vai fazer falta ao longo do dia, não somente para as nossas funções habituais, mas também nos exercícios. Um sono ruim pode deixar o indivíduo extremamente irritado. É importante desenvolver estratégias para que se tenha o melhor sono possível: técnicas como meditação, exercícios de respiração e não consumir alimentos estimulantes no período da noite. É importante proteger o sono para poder proteger todo o restante da sua saúde - recomenda Maria Edna.
É recomendado mais atenção na hora de treinar caso você não tenha dormido bem. Tentar realizar um treino com indisposição e cansaço pode ocasionar lesões e interferir no rendimento geral da prática física. Um sono ruim ou insuficiente afeta negativamente a recuperação muscular, inclusive.
O ciclo do nosso sono possui quatro fases diferentes que podem se repetir de quatro a cinco vezes durante 8 horas de sono.
Segundo Maria Edna, o sono é fundamental para regular as funções fisiológicas do organismo.
- O sono pode ser encarado como a base de uma boa saúde, então é importante que nosso corpo desligue, tanto mental quanto metabolicamente. Isso para que as nossas funções fisiológicas tenham o ritmo circadiano (período de aproximadamente 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos). Existem várias substâncias que são produzidas no nosso corpo que obedecem esse ritmo circadiano que é determinado pela iluminação e pela produção endógena (agentes internos) de algumas substâncias regulatórias - esclarece a endocrinologista
Helena Hachul pontua diversos prejuízos para a saúde que podem ser causados devido a noites de sono insuficiente.
- Pelo fato do sono restaurar tanto a parte física quanto a mental, se dormirmos mal, no dia seguinte teremos irritabilidade, déficit de memória, de atenção e até diminuição de imunidade. Por isso, existem mais chances de contrair infecções. Além disso, sem a restauração física adequada a pessoa passa a ter cansaço físico e sente-se indisposta para suas atividades habituais - explica a pesquisadora do Instituto do Sono.
Segundo o instituto americano National Sleep Foundation, a quantidade de horas ideal para cada indivíduo varia de acordo com a sua faixa etária.
Helena comenta que o recomendado é que os adultos durmam de 6 a 8 horas diárias, mas que podem existir variações para cada pessoa. Ela alerta sobre os perigos de dormir menos ou muito mais do que o recomendado.
- Os pequenos dormidores dormem cerca de mais ou menos 5 horas e ainda assim estão dispostos para as atividades do dia seguinte enquanto os grandes dormidores precisam de 11 horas para estar bem no próximo dia. Dormir menos que 4 horas e mais que 11 pode estar associado a problemas de aumento de risco cardiovascular e diminuição de longevidade - comenta Hachul.
A endocrinologista explica que todos os hormônios do organismo apresentam o ritmo circadiano. Logo, uma boa noite de sono é fundamental para a produção de substâncias como cortisol, adrenalina e também o hormônio do crescimento, que é secretado em maior quantidade durante a noite. Maria Edna também explica que a formação de tecido adiposo também depende de um sono de qualidade.
- Com um sono ruim, a gente interrompe esse ritmo e também prejudica essas produções regulares. A regularidade dessas secreções acaba prejudicando a nossa saúde. Algumas dessas substância promovem a formação de tecido adiposo e a deposição de gordura nesse tecido adiposo, fazendo assim adipogênese e lipogênese. O que nos leva a comer mais e mais alimentos mais ricos em calorias e promovendo a deposição dessas calorias excedentes - explica Maria.
Segundo um estudo da Universidade de Loughborough, as mulheres necessitam de mais tempo de sono do que homens devido à tendência feminina de conciliar diversas atividades simultâneas ao longo do dia. O sexo feminino também é o que mais sofre com distúrbios do sono e oscilações hormonais que ocorrem durante as diversas fases da vida. Helena Hachul, que também é médica ginecologista, explica a sobre as peculiaridades do sono na vida das mulheres.
- As queixas de sono são mais frequentes em mulheres do que em homens. Isto pode ser atribuído às grandes oscilações hormonais que ocorrem durante o ciclo menstrual. Cerca de 30% em mulheres são afetadas com essas mudanças. E na menopausa este número sobe para cerca de 60% das mulheres. Os motivos são vários: as ondas de calor, que podem levar ao despertar, as alterações de humor e mudança social, por exemplo. Existem peculiaridades inerentes à mulher e isso trará implicações no sono, como a gestação. A mulher tem mais sonolência no início da gestação, e no final, um sono mais fragmentado. Quanto aos distúrbios de sono, a mulher tem mais insônia, enquanto os homens mais apneia. Mas, logicamente, cada caso é um caso - explica Hachul.