Cabeça fraca
21/03/2022

 O tornozelo apita, mas é o cérebro no comando. De nada adianta curar inflamações com gelo e remédios se a cabeça não estiver ok. As dores imaginárias estão aí para nos sabotarem

 No mês passado, escrevi o post "O Médico e o monstro" (https://ge.globo.com/eu-atleta/blogs/correria/post/2022/02/08/o-medico-e-o-monstro.ghtml) sobre o meu charlatanismo diante de uma lesão no treinamento. Sugiro, portanto, ler primeiro o texto anterior antes de prosseguir nesse. Spoiler? Sim, deu errado, o Doutor Serginho não obteve o sucesso desejado no tratamento proposto.

 Na realidade, porém, estou sendo rigoroso demais com o terapeuta picareta que existe dentro de mim. No fundo, no fundo, Doutor Serginho não foi tão mal assim. Recapitulando a história do post anterior, torci o tornozelo direito correndo. Prescrevi pra mim mesmo sessões de gelo, um anti-inflamatório (ai, ai, ai, ainda vou ser preso por isso) receitado por um médico em alguma consulta do passado, repouso. Esperei uma semana e tentei correr de novo. Nos primeiro 500 metros já comecei a sentir os ligamentos inflamados do tornozelo. Parei na hora. Resignado, já liguei e marquei sessão com o fisioterapeuta amigo. Raios!

 No dia seguinte, lá estava eu na maca do Marcelo Simplício. Ele começou a busca pelo ponto de dor. Percorreu cada milímetro do tornozelo, e nada. Zero dor. Estava claro que não havia fratura, nem rompimento de ligamento do tornozelo. Um estiramento do ligamento, provavelmente. Mas a ausencia completa de dor sinalizava cicatrização. Fizemos uns exercícios e a recomendação de tentar correr de novo, mesmo que sentisse algo no início.

 Calcei um tênis mais baixinho e, com os meus temores, parti. Nos primeiros 500 metros, não havia dor, apenas a sensação que a dor estava para chegar. Não chegou. Foram 6 km no primeiro dia, 10 km no segundo, mais 12 km com subidas e descidas no terceiro. Conversei depois com Simplício. Tinha sido vítima de uma dor imaginária na jornada que tentei voltar. Algo, aliás, muito mais comum do que se pensa.

 O medo da volta da lesão faz o cérebro criar essas dores fantasiosas. No meu caso é ainda mais fácil de entender. Passei a vida me machucando e tentando voltar antes da hora, antes de os tecidos estarem devidamente cicatrizados. E a conta costuma ser alta nesses casos. A recuperação da lesão reincidente pode ser ainda mais demorada. Acabei criando com o tempo um processo reverso no cérebro, tenho a tendência de inventar dores como forma de me proteger da velha imprudência. Está óbvio que preciso ir logo ao psquiatra. Conheço um ótimo, Doutor Serginho, se não me engano.

 

 

Voltar