A vacinação contra HPV pode prevenir câncer de colo de útero?
01/01/1970

 Estudos comprovam que o imunizante disponível no Brasil pode evitar a doença – terceiro tumor maligno mais frequente em mulheres do mundo todo – em 70%, a depender de quando for aplicado. O exame periódico preventivo, contudo, continua sendo importantíssimo

 A resistência de algumas pessoas a se vacinarem no Brasil ficou mais clara com a chegada da pandemia da covid, mas não é de hoje que alguns imunizantes são vistos com reserva por parte da população. Um exemplo recente é o da vacinação contra o HPV, vírus bastante comum na população e responsável pelo desenvolvimento de diversos tipos de câncer, o principal deles, o de colo de útero. Este é o terceiro tumor maligno mais frequente em mulheres do mundo todo. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Brasil, 16 mil mulheres são diagnosticadas com a doença todos os anos e 6.500 morrem em decorrência dela.

 A médica do Inca Flávia Miranda diz que a vacina é de total importância para a prevenção da doença. Embora integre o Programa Nacional de Imunização (PNI) desde 2014, atualmente, a cobertura vacinal do público-alvo do SUS é considerada abaixo do ideal, de 80% na primeira dose, caindo para 57% na segunda. Ela conta que, em 2014, houve uma queda na adesão ao imunizante entre a aplicação da primeira e da segunda dose na primeira campanha. Para ela, o ponto alto foi a primeira dose ter sido oferecida também nas escolas, além das unidades de saúde, o que não se repetiu na segunda. Outro fator que contribuiu para a queda da imunização foi a propagação de notícias falsas. A médica dá como exemplo as suspeitas — que se comprovaram infundadas cientificamente — de que o imunizante estaria provocando desmaios em meninas em algumas regiões do Brasil.

 Apesar da grande associação do HPV ao câncer cervical, o vírus é também causador de outros tipos de câncer como no pênis, ânus, faringe e vagina. Por isso, a vacinação também se dá em pessoas do sexo masculino.  No Brasil, a imunização na rede pública teve início com meninas de 9 a 14 anos e na sequência se estendeu a meninos de 11 a 14 anos.

 Pesquisas também apontam que pessoas com o vírus da Aids são mais propensas a desenvolver doenças ligadas ao HPV. Em julho deste ano, o Ministério da Saúde ampliou o público-alvo do imunizante, incluindo homens de até 45 anos imunossuprimidos, como portadores de HIV, transplantados ou pacientes oncológicos. Mulheresna mesma faixa etária, também com condições de imunossupressão, já estavam incluídas.

 No Brasil, o Instituto Butantan é o responsável por disponibilizar a vacina quadrivalente para o SUS. Segundo o órgão, são entregues à rede pública mais de seis milhões de doses por ano. Questionado pela reportagem se estudos de aprimoramento das vacinas estão sendo conduzidos no Brasil, o Instituto Butantan informou que existem pesquisas com intuito de abranger outras variantes do vírus, já que são mais de 200 conhecidas.   "Além disso, a tecnologia de vacina de m-RNA liberada para uso por conta da emergência da pandemia, traz essa nova possibilidade de estudo. O principal objetivo atualmente seria criar uma vacina capaz de proteger não só contra a infecção, mas proteger as pessoas já infectadas do desenvolvimento de câncer por HPV".

 De acordo com a profissional do Inca, a vacina quadrivalente dá conta de proteger em até 70% dos casos de câncer. Ainda sobre as baixas taxas de imunização no Brasil, Flávia fala que parte disso se dá devido à estigmatização da vacina contra o HPV, por ser um vírus transmissível sexualmente. "Tem que focar [as campanhas] que é uma vacina que pode evitar câncer. Tem que focar nisso, contra o câncer, não é contra um vírus", defende. Ela também diz que há um preconceito de que se uma criança ou adolescente for imunizado contra uma Doença Sexualmente Transmissível ela vai ser estimulada a dar início à vida sexual.

 Contra este estigma, a jornalista Karla Gamba, 36 anos, decidiu imunizar a filha. Ela conta que Luanda, que hoje tem 14 anos, tinha 9 quando recebeu a primeira dose. "Minha mãe sempre foi muito aberta e progressista, mas deu para sentir um certo questionamento, não em relação a tomar a vacina, mas dentro desse estigma de uma menina de nove anos tomar uma vacina contra uma doença sexualmente transmissível". Karla disse que para ela foi um alívio ver a filha vacinada. "Principalmente para nós mulheres, que estamos mais submetidas a DSTs por todo um contexto machista. É um alívio muito grande e uma oportunidade de explicar e falar sobre a importância da prevenção".

 Já no caso da fotógrafa e DJ Mariana Leal, de 37 anos, a imunização pelo SUS se deu pela exceção, já que ela não está no público-alvo do sistema público de saúde. Ela estava em casa almoçando quando recebeu uma mensagem de uma amiga avisando que unidades de saúde do Distrito Federal, onde ela vive, haviam disponibilizado vacinas contra HPV para mulheres de até 45 anos. "Na hora, deixei meu prato e saí correndo. Pensei 'posso chegar e não ter, mas é uma vacina muito importante e muito cara'", lembra. Leal tinha a imunização contra HPV como meta há algum tempo e conta que tinha começado a reservar dinheiro para isso. Ela planejava pedir uma receita médica para a vacina durante uma consulta de rotina com ginecologista, marcada para o mês seguinte.

 Em maio deste ano, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal anunciou a ampliação do público-alvo para as vacinas contra HPV para mulheres de até 45 anos. O motivo era a proximidade do prazo de validade dos imunizantes. Quem tomasse a primeira dose, já teria as duas seguintes garantidas mediante apresentação da carteira de vacinação. Segundo a Secretaria de Saúde, foram disponibilizadas 7,5 mil doses para aplicação até o dia 11 de maio, data de vencimento do lote, mas as aplicações se esgotaram já na manhã do dia 10.

 Flávia explica que o Sistema Público de Saúde prioriza a vacinação de pessoas que não iniciaram a vida sexual ativa por ser esse o público em que a vacina tem maior eficácia. Porém, outra forma de prevenir o câncer de colo de útero é o exame preventivo, ou papanicolau, capaz de detectar com antecedência alterações no útero que possam evoluir para um câncer. 

 Esse foi o caso de Lilian Benites, de 40 anos, que, ao fazer um exame de rotina em 2020 descobriu um carcinoma. Isso fez com que ela lembrasse de um diagnóstico de HPV que tinha recebido quase 20 anos antes, quando procurou uma ginecologista ao se incomodar com uma coceira incômoda na vagina. Ao contar a própria experiência, Lilian fala sobre a importância de desestigmatizar a doença, normalmente atribuída à promiscuidade e com muito preconceito. Aos 20 e poucos anos, ela havia tido apenas um parceiro fixo, o que não a livrou de ser contaminada. Ela fez tratamento e passou a fazer acompanhamento com a médica a cada seis meses, tendo o HPV permanecido indetectável por alguns anos. "Eu continuei todos os anos [fazendo acompanhamento] e não foi falado [sobre a vacina de HPV]", diz.

 Questionada sobre qual a eficácia das vacinas para mulheres que já iniciaram a vida sexual, Flávia diz que é bastante reduzida em relação àquelas pessoas que não tiveram nenhum contato com o vírus do HPV. "É uma discussão fora do âmbito do SUS, discussão do médico que está atendendo a mulher, é preciso tomar decisão compartilhada", explica.

 A profissional de relações internacionais Isabela Costa, de 36 anos, tomou a vacina em 2011, neste contexto. Em visita de rotina à ginecologista, ela descobriu que havia tido contato com o vírus do HPV, mas com um subtipo que não é ligado ao desenvolvimento de câncer. Sua médica recomendou que ela  tomasse a vacina para protegê-la de outros subtipos do vírus. Ela conta ter tomado três doses na rede privada, em um hospital em São Paulo, onde pagou cerca de R$ 400 por cada uma.

 

 

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